27/4/2020




Sob "panelaço" em todo país, Bolsonaro não convence em resposta a denúncias

Reação a denúncias que podem configurar crime de responsabilidade tem referência até a aquecedor de piscina e nem uma palavra sobre piores 48h da pandemia; JN mostra prints de conversas de Moro com presidente e deputada bolsonarista

Logo após o Brasil contabilizar quase 800 mortos por coronavírus em 48 horas, o presidente usou cerca de 45 minutos para fazer um pronunciamento, ao final da tarde desta sexta-feira (24), marcado por um tom quase sempre defensivo, respostas não convincentes às denúncias com potencial de impeachment que sofrera pela manhã e referências dispersas e inexpressivas de resultados e ocorrências nos quase 16 meses de seu governo. A única referência à pandemia foi para criticar as políticas de isolamento social – nem uma única palavra sobre as vítimas.

Ao final do dia, no "Jornal Nacional", foram exibidos trechos de conversas do presidente com o ainda ministro Sérgio Moro. O material foi encaminhado à TV Globo pelo próprio Moro, que atribuiu a autoria do interlocutor ao presidente e informou que a conversa se deu na véspera. No material, é possível ler que o presidente teria enviado ao ministro o link de uma notícia que informava que a PF estaria “na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas” e que este seria “mais um motivo para a troca [do então diretor da PF, Maurício Aleixo]”, cuja exoneração foi publicada no dia seguinte no Diário Oficial. O jornal também exibiu conversa de Moro com a deputada federal e integrante da tropa de choque governamental Carla Zambelli (PSL/SP).

Bolsonaro estava cercado pela maioria de seus ministros, pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, e apoiadores, entre eles um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) – em sua constrangedora maioria homens, brancos e integrantes das elites nacionais. O pronunciamento aconteceu sob panelaços e barulhaços que ocorreram em todas as regiões do país. As manifestações nas janelas sintetizaram um dia marcado pelo aumento dos pronunciamentos pelo fim do governo entre políticos e na população – com a palavra-de-ordem “Fora Bolsonaro e Mourão” ganhando destaque nas redes sociais

O presidente havia anunciado que faria uma “coletiva” para restabelecer “a verdade sobre a demissão a pedido do Sr. Valeixo, bem como do Sr. Sérgio Moro”. Não houve entrevista coletiva, mas apenas o nada objetivo pronunciamento, em parte desmentido pelas imagens de troca de mensagens com o ex-ministro pelo aplicativo WhatsApp.

Demissão de Moro

Às 11 horas da manhã, o ainda ministro da Justiça, Sérgio Moro, afirmou, ao deixar o governo, que o presidente Jair Bolsonaro lhe disse querer na chefia da Polícia Federal alguém de sua confiança, a quem possa ligar e receber relatórios sobre investigações e inquéritos em andamento.

Já estão em curso pelo menos quatro investigações – sob o comando da Polícia Federal ou da Polícia Civil – que podem atingir os filhos do presidente e o próprio. Entre elas, as investigações das fake news, de irregularidades no gabinete do filho Flávio Bolsonaro quando era deputado estadual, do assassinato da vereadora Marielle Franco, incluindo as milícias, e dos atos a favor de um golpe militar e do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

Ao fazer tais acusações, Moro não apenas expôs Bolsonaro politicamente, como deu margem a acusações de crime de responsabilidade contra o presidente. Ao final do dia, a Procuradoria-Geral da República solicitou ao STF autorização para investigar o caso e possíveis crimes do presidente, mas também das denúncias de Moro.

Em outro processo, o ministro relator, o decano Celso de Mello, determinou ontem a citação do presidente afirmando que “é essencial ao prosseguimento da ação, pois a eventual concessão do mandado de segurança afetará a esfera jurídica do presidente da República”, informou o STF.

Alegações do presidente

Ao se defender, Bolsonaro fez um discurso visivelmente voltado para os setores da sociedade que o apoiam. Disse que a exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Leite Valeixo, pivô da demissão de Moro, “pelo que tudo indicava” teria sido a pedido. Pelo Twitter, Moro voltou a negar, logo em seguida, que a demissão tenha sido a pedido.

O presidente negou que tenha a intenção de interferir na Polícia Federal, mas disse que a legislação lhe autoriza a fazer as nomeações e que é natural ter na chefia do órgão e em suas superintendências pessoas com as quais possa conversar diretamente. Usou, como exemplo disso, contato que havia feito com o Ministério da Marinha, no qual não se dirigiu ao ministro mas a seus subordinados. Não mencionou, obviamente, que ao contrário de outros órgãos, a Polícia Federal é uma instituição de investigação na qual o próprio presidente, seus familiares, ministros e aliados podem estar sob averiguação – o que, aliás, em parte ocorre agora.

O presidente também se colocou, mais uma vez, no lugar de vítima ao lembrar a facada que sofreu na campanha eleitoral – que deu margem a inúmeras especulações, inclusive quanto à veracidade de tudo o que ocorreu. Usou o caso para se queixar da Polícia Federal, alegando que o órgão se preocupava mais com o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018 no Rio de Janeiro, do que com o atentado contra ele.

Nas redes sociais, a irmã de Marielle, Arielle Franco, reagiu com indignação: “Minha irmã não é palco pra você ficar jogando a sua cortina de fumaça. Assuma sua incompetência e falta de ética. Não se compare a ela! Marielle tinha e tem o que o senhor não tem: caráter e valores! Nos poupe!”, disse.

Ministério da Justiça

Moro teve uma atuação no ministério marcada por derrotas e por denúncias de irregularidades nas investigações da Lava-Jato, quando era magistrado. Reportagens com base em mensagens obtidas pelo site de notícias ‘The Intercept’ revelaram que Moro trocava mensagens com procuradores que investigavam os alvos da operação, chegando a combinar iniciativas a serem tomadas. A atuação de Sérgio Moro na Lava-Jato teve forte influência na eleição de Jair Bolsonaro, em novembro de 2018, para a Presidência da República, sob o discurso de combate à corrupção.

Hoje o presidente fez muitas críticas ao desempenho de Sérgio Moro. Relatou que, num café da manhã, disse a deputados aliados que eles conheceriam quem não o queria na cadeira presidencial. “Este alguém não está no Judiciário nem no parlamento” disse. Pouco antes, num tom piegas, falou que sempre abrira o “coração nas conversas com Moro”, mas que não podia dizer que o ministro fizera o mesmo.

Também deu gás, talvez sem essa intenção, às versões de que Moro teria assumido o ministério com a promessa de que ao final deste ano seria indicado a uma vaga no Supremo Tribunal Federal, ao mencionar que o ministro disse que aceitaria a substituição do diretor-geral se ela ocorresse depois da nomeação. Bolsonaro disse que jamais admitiria uma imposição dessas, mas também não explicou como o ministro poderia cogitar decidir quem ocuparia o cargo após a sua saída da pasta. Sobre a nomeação do novo diretor-geral, disse que não abria mão de indicá-lo, mas se contradisse ao dizer que cogitou até um inusitado sorteio.

Durante o longo discurso, no qual descartou um roteiro que havia sido preparado, Bolsonaro não esclareceu porque apesar de tantas críticas, envolvendo questões morais e de desempenho, mantinha Moro no cargo – o que provavelmente poderia continuar ocorrendo caso o ministro concordasse com as imposições e não pedisse demissão.

A fala presidencial cercada de ministros e aliados – todos próximos, quase todos sem máscara (apenas Paulo Guedes, da Economia, usava uma) – descumpriu as medidas de isolamento social adotadas no país. Medidas recomendadas inclusive pelo Ministério da Saúde, cujo novo ministro, Nelson Teich, estava presente. É inevitável associar isso ao fato de que o país passa pelas piores 48 horas em termos de vítimas desde o início da pandemia. Ao longo dos 45 minutos, Bolsonaro mencionou o que pareceu considerar grandes feitos de seu governo – como quando desligou o aquecedor da piscina olímpica da Alvorada e modificou o cardápio da residência oficial da Presidência ou quando “implodiu” o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) por conta de tacógrafos que seriam modificados no Brasil. Em meio a tantos pormenores, falou como se o país não estivesse diante de uma das maiores e mais graves crises sanitárias da história da humanidade.

 



Hélcio Duarte Filho