30/3/2015


ARTIGO

A arriscada rotina dos Oficiais de Justiça




No dia 11 de novembro do ano passado o oficial de justiça Francisco Pereira Ladislau Neto, de 25 anos, foi tragicamente assassinato no Rio de janeiro. O filho do comerciante que seria notificado pelo oficial deu dois tiros no servidor. Este evento chocou muitos oficiais pelo país e os mobilizou para denunciar as suas condições de trabalho e os riscos a que estão expostos. De fato este assunto é de grande importância e merece bastante atenção dos tribunais.

São inúmeros os relatos de oficiais que passaram, pelo menos, por ameaças ou servidores da Central de Mandados de Porto Alegre apontou 50,7% deles sofriam Distúrbios psiquiátricos menores - isto é, sofriam algum sintoma seja estresse, ansiedade, depressão, neuroses ou outros quadros e sintomas que apontam um desgaste mental, mas que não necessariamente se enquadram como um adoecimento especificamente.  Não podemos generalizar o resultado de Porto Alegre para o estado de São Paulo, porém é um indício que chama a atenção e aponta a necessidade de estudarmos a saúde destes trabalhadores em nosso estado, pois não é raro oficiais de justiça que se queixem de algum destes sintomas.

Uma das fontes deste sofrimento é a alta carga de trabalho dos Oficiais de Justiça, ligada a problemas nas condições de trabalho. Nos últimos anos tem aumentado o número de mandados a serem cumpridos pelos oficiais sem que tenha tido um aumento de trabalhadores nesta função. O fato de o trabalho ser realizado fora dos fóruns e tribunais faz com que não exista um controle do tempo de trabalho, sendo o trabalho medido pela quantidade de tarefas que lhe são dadas. Porém, se não é estabelecido um limite à quantidade de mandados, o tempo utilizado para cumpri-los pode acabar por ser maior do que a jornada estabelecida, sobrecarregando o trabalhador.

Além disso, a pesquisa com oficiais federais de Porto Alegre, assim como em uma pesquisa sobre os oficiais da Justiça estadual de Minas Gerais, aponta que muitos mandados apresentam dificuldades para serem cumpridos e exigem muito mais tempo. Os motivos são diversos: pessoas que alteram número de suas residências para buscar fugir da notificação, a necessidade de solicitar outros serviços como acompanhamento policial, caminhão de mudanças e conselho tutelar, devido a conflitos com os indivíduos a serem notificados, entre outros.
Porém, apesar destas dificuldades, o tribunal avalia o trabalho deles de forma puramente quantitativa, não reconhecendo esforço a mais que tiveram no cumprimento destes mandados.

Importante ressaltar que a falta de reconhecimento do trabalho realizado contribui para o desanimo, o estresse e o desgaste mental. O trabalho ocupa um papel fundamental na constituição da identidade de cada um, assim como na auto-estima. Logo, ao não ser reconhecido pelo seu trabalho o indivíduo pode sentir-se desvalorizado como pessoa e também fragilizado em sua identidade, entre outras conseqüências negativas para a saúde mental do trabalhador.
A falta de reconhecimento também ocorre pelo certo isolamento dos Oficiais em relação aos colegas e mesmo ao Juiz que solicita o seu serviço. Como o trabalho é realizado principalmente externamente aos fóruns e tribunais, ocorre que muitos servidores desconhecem as atividades realizadas pelos oficiais de justiça. E o Juiz, que solicita o trabalho dos oficiais, raramente dialoga com oficiais e mais raramente ainda tem qualquer ação de reconhecimento do trabalho dos mesmos.
Também não é reconhecido pelos Juízes e pelo tribunal a realidade de desgaste emocional envolvida no trabalho dos oficiais de justiça. O trabalhador em questão é o “rosto” do tribunal frente à população, que tende a atribuir a estes os sentimentos negativos que têm em relação à justiça, o estado e mesmo à decisão do juiz no processo específico em que está envolvido. Devido a isso, muitas vezes são tratados de forma agressiva pelos juridicionados.
Além disso, de forma geral as notificações dos mandados simbolizam algo negativo ao jurisdicionado, como penhora de bens ou reintegração de posse, isto é, o oficial de Justiça torna-se sendo sinônimo de más notícias, o que dificulta as relações estabelecidas com a população. Isso exige do oficial de Justiça o equilibro para contornar situações complicadas, isto é, não ser insensível ao sofrimento dos Jurisdicionados, mas também não deixando de fazer cumprir cada mandado, tendo de se impor, mas sem deixar de ser cauteloso com sua segurança.

Desta forma, o trabalho do oficial de justiça mobiliza cotidianamente as emoções daquele que o realiza, o que contribui para o desgaste mental do servidor, afetando sua saúde física e psicológica.

Outro aspecto que também é fonte de angústia e um dos principais temas levantados pelos Oficiais é a exposição à violência e a agressões.  Os jurisdicionados, por exemplo, por vezes reagem agressivamente aos mandados trazidos pelos oficiais, tendo as mais diferentes reações, podendo ser desde agressões verbais, passando por ameaças e até casos extremos como o relatado no inicio deste artigo.  Mas, para além disso, os oficiais de justiça estão expostos também à violência urbana durante o seu trabalho: ameaças, assaltos, bens danificados durante o exercício da função, entre outros casos.
A pesquisa supracitada, realizada em Porto Alegre, aponta números alarmantes no que se refere à segurança: 97,1% dos entrevistados se sentiam inseguros no exercício da função; 81,7% sentiu-se ameaçado no exercício da função; 63,8% teve bem particular danificado no exercício da função e 38,8% teve algum bem roubado no exercício da função.
A exposição a essa violência tem feitos muito negativos sobre a saúde mental dos trabalhadores, tendo inclusive casos de desencadeamento de Transtornos de estresse pós traumático (TEPT), quadro psicológico possível de desenvolver posterior à vivência de um trauma, no qual o indivíduo não consegue se livrar de fato do choque psicológico, tendo dificuldade de entrar em contato com as emoções vividas, sentindo bastante medo, ansiedade, apreensão, tendo pesadelos frequentemente. Nesses casos é fundamental a atuação de um profissional de saúde mental.

Enfim, o trabalho de Oficial de Justiça traz exposição a muitas condições adversas que podem afetar a saúde física e psicológica dos trabalhadores, sendo fundamental uma atenção maior a este setor, pois é urgente a realização de alterações no processo de trabalho dos mesmos visando a saúde e segurança dos mesmos.


Redação do Sintrajud-SP
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