15/9/2017


BENEFÍCIO POLÊMICO

"Moradia" de juízes e procuradores faz 3 anos sem julgamento

Controverso benefício completa três anos com base em liminar do STF representando mais do que um escândalo moral

Completam três anos, na sexta-feira (15), que magistrados e procuradores recebem mensalmente auxílio-moradia com base nas liminares concedidas pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. Passaram-se 1.095 dias sem que o ministro do STF cumprisse o que determina o inciso IV do artigo 21 do Regimento Interno do tribunal do qual faz parte, que determina  a submissão de decisões monocráticas como essa ao coletivo, seja ao Pleno dos 11 ministros ou mesmo à turma.

O evidente desrespeito ao regimento interno, que, não surpreende, não estipula prazo para que seja cumprido, não acarretou a Fux quaisquer contratempos, além de eventuais críticas. Mais do que um benefício excessivo ou, para muitos, escandaloso, o pagamento do auxílio-moradia ao longo desses 36 meses a juízes e procuradores carrega em si um outro significado: a solução por cima, unilateral, corporativa e restritiva para o problema salarial decorrente dos cortes orçamentários impostos pelo Executivo ao Poder Judiciário.

‘Acordo’

Por mais que a Advocacia-Geral da União conteste formalmente o benefício, concedido indiscriminadamente a juízes com altos salários e mesmo com residência própria, evidente ficou o acordo tácito entre os Poderes para aplacar os ânimos da magistratura e assegurar a continuidade, sem desentendimentos institucionais mais graves, da política salarial que congelou os rendimentos dos servidores do PJU e do MPU por mais de dez anos e barrou, desde 2010, as sucessivas tentativas de se aprovar uma revisão mais significativa dos planos de cargos e salários.

As relações temporais e factuais da entrada do reforço de R$ 4.377,73 nos contracheques da magistratura não parecem em nada aleatórias. Ao contrário, as decisões de Fux ocorrem em setembro de 2014, quando se consolidava a rotina de a Presidência da República tesourar a proposta orçamentária enviada pelos tribunais à Fazenda.

Congelamento

Enquanto servidores lutavam, sem sucesso, para evitar que, por mais um ano, a história se repetisse e o chefe do Poder Executivo vetasse a possibilidade de recomposição salarial, o andar de cima dava seu jeito, sem-cerimônia, para amenizar, em quantias consideráveis, mesmo para padrõesda toga, o congelamento imposto pela política econômica adotada pelo governo da época – no caso, Dilma Rousseff (PT), que tinha na vice-presidência o atual titular do cargo, Michel Temer, sempre fiel na defesa da política de austeridade seletiva.

A existência de um acordo velado, por trás das eventuais broncas dadas sob holofotes da mídia, fica evidente quando, em janeiro de 2016, a então presidente Dilma Rousseff permite por meio de medida provisória (MP 711) a abertura de crédito extraordinário de R$ 419 milhões no orçamento para cobrir o pagamento de auxílio-moradia a magistrados e procuradores, em meio ao corte de recursos e contenções de despesas nos tribunais que chegaram a levar à alteração no horário de funcionamento de muitos deles.

A presidenta, que posteriormente seria afastada tendo como justificativa oficial outras pedaladas fiscais, chegou ao ponto de utilizar um instrumento legal controverso e a princípio proibido para assegurar o crédito suplementar e não colocar em risco o auxílio dos juízes.

Outras decisões

Por mais que haja quem avalie que entre os 11 ministros do Supremo seja majoritária a posição de cortar o benefício, o acordo tácito também na mais alta corte do país parece ter ficado outra vez evidente em novembro do ano passado, quando o ministro Luís Roberto Barroso anunciou que colocaria o processo que herdara do ex-ministro Joaquim Barbosa, que indeferira liminar sobre pedido similar da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), para avaliação do Pleno. Mesmo assim, o caso não foi levado a julgamento pela presidente da Corte, Carmen Lúcia, e, posteriormente, a Ajufe pediu desistência da ação.

Paralelamente à concessão do auxílio-moradia, o Supremo Tribunal Federal tomou outras decisões que deixam expostas a intenção de, por um lado, contornar na esfera da magistratura a política salarial que, no caso dos servidores, levou ao veto do PCS-4 em 2015, e, por outro, atuar como poder auxiliar do Executivo neste mesmo arrocho imposto ao funcionalismo.

Difícil concluir algo muito diferente quando se observa decisões como as relativas ao corte de ponto de servidores em greve e à suspensão do pagamento de quintos, esta última contrariando dezenas de decisões anteriores do próprio STF.

Diante de taisconstatações, é razoável pensar que, muito além de uma imoralidade, o auxílio-moradia é parte integrante de um acordão e de uma política que, na ponta, penalizam diretamente os servidores, que carregam o dia a dia dos tribunais, e, indiretamente, a população, que, sem se dar conta, está sendo submetida a um projeto que, na prática, aponta para o estreitamento do acesso popular à Justiça.

 

 



Helcio Duarte Filho