2/2/2010


ENTREVISTA

Para o jurista Hélio Bicudo, "Os defeitos da Justiça continuam os mesmos"




      Em meados de dezembro de 2009, Carlos Eduardo Batista e César Lignelli, jornalista e advogado do Sintrajud respectivamente, entrevistaram o jurista e ativista pelos direitos humanos Hélio Bicudo.

     Jurista, político, ativista de direitos humanos, Hélio Bicudo de 88 anos foi deputado federal e vice-prefeito de São Paulo na gestão Marta pelo PT (2000-2004). Entretanto, como ele mesmo diz, foi isolado e teve muito pouca, ou quase nenhuma participação na gestão petista.

     Além de ter sido promotor, Hélio Bicudo presidiu a Comissão Interameriacana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) de 1998 a 2001. Somando à extensa lista de atividades, Hélio se destacou na luta contra o Esquadrão da Morte, ainda durante a ditadura (1964-1985).
     No entanto, ele começou esta entrevista nos contando um pouco sobre o tempo em que atuou como jornalista no Estadão, de 1956 e 1984, época em que escrevia os editoriais e fazia um noticiário dos tribunais. “Nem tinha tribunal do trabalho ainda, você tinha algumas varas de trabalho pelo interior, quando eu era promotor público, quem fazia as audiências de conciliação e julgamento era o próprio juiz e quem representava os empregados era o promotor público, depois é que foi se separando”.
     Aproveito o gancho e pergunto sobre a recente decisão do STF acerca da censura ao Estadão, proibido de divulgar reportagens sobre a operação da Policia Federal batizada de Boi Barrica, que investiga o filho de José Sarney (PMDB), presidente do Senado.
     Hélio Bicudo sorri e diz: “Fora de comentários. O STF está indo por um viés apenas burocrático, deixando o problema principal fora da discussão. O que se discutia principalmente? A censura! Mas não se discutiu a censura, passaram para a questão formal para não decidir sobre a censura e manter a censura”.
     A ideia de entrevistar o senhor Hélio Bicudo surgiu quando pensávamos em fazer uma reportagem sobre o Conselho Nacional de Justiça. Criado em 31 de dezembro de 2004, o CNJ tem a sua origem no ano de 1992, quando o então deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores Hélio Bicudo apresentou à Casa Baixa a proposta de criação de um órgão que fiscalizasse o Poder Judiciário.
     Da proposta original ao que foi sancionado pelo Presidente Lula, muitas alterações foram feitas. No dia a dia, algumas ações do CNJ têm gerado críticas, sobretudo no que toca o “gerenciamento” numérico da Justiça e uma resolução que aumentou a jornada de trabalho dos servidores que cumpriam seis horas diárias. Na verdade, conseguimos esta entrevista para perguntar:

“Como o senhor avalia a atuação do CNJ?”

Hélio Bicudo — Eu vou dizer a você o seguinte: eu nunca fui a favor de um órgão estruturado dentro do poder Judiciário para fazer a correição do poder Judiciário, nunca fui a favor disso. Eu sempre pensei que isso poderia ser feito a partir da própria sociedade civil, mediante a atuação dos advogados e do Ministério Público. Mas eu tinha em mente uma reformulação do Poder Judiciário com uma descontração desse poder. Hoje o Poder Judiciário está muito centralizado. Em São Paulo, por exemplo, tudo é muito centralizado. Na Barra Funda são 90 Varas, abrangendo 10 milhões de pessoas, isso entrava o andamento da Justiça.
     O órgão que se construiu não descentraliza a Justiça. Além do quê, ele não é um órgão judiciário, embora esteja dentro do Poder Judiciário, ele é um órgão administrativo, ele não tem o poder do Poder Judiciário, é um órgão administrativo.
     Na verdade, a escolha dos membros é uma escolha elitista, então aquilo fica rodando em torno do mesmo eixo. O que eles estão fazendo? Eles estão fazendo atuações pontuais. Por um lado é bom, mas por outro, essa história de fazer mutirão de Justiça desvirtua o trabalho da Justiça.
     Por que se pega processos que já estão concluídos há dois ou três anos, ou já estão quase concluídos. Não há o contato que o juiz deve ter com as partes. Então se decide burocraticamente, até pode botar um modelo no computador e decidir 300 ou 400 processos nesse modelo.
     Mas na minha visão, isso não é fazer Justiça. A Justiça tem que ser muito mais pessoal do que burocrática. Por isso que eu sou contra essa questão da Justiça Virtual. Acho que a Justiça tem que ser feita com o juiz vendo as pessoas. E hoje não é o que acontece. E nisso o CNJ não andou nenhum passo.
     Em São Paulo, por exemplo. A Barra Funda, para atender uma cidade com mais de dez milhões de pessoas, não funciona. Mesmo por que o juiz que recebe a denuncia não é o mesmo que interroga o réu, que ouve a vítima, que ouve as testemunhas, que examina as provas, é um quarto, quinto, sexto, sétimo, décimo juiz que atuará burocraticamente. 
     Depois, ainda tem os recursos ao tribunal de Justiça, ao STF... é uma coisa que não acaba nunca. Isso quer dizer, em última análise, impunidade. E não vejo que o CNJ tenha atuado no sentido de você fazer um planejamento para mudar a administração da Justiça, para você botar as partes com contato com o juiz. Com isso você daria acesso das partes à justiça.

Caê — Nem com a instituição da Meta 2 e da Semana da Conciliação o senhor não vê...

HB — Eu acho que isso aí é um episódio. Você virou as costas, volta tudo de novo da forma como estava. E eu não sei se o que se faz no mutirão é melhor do que esperar. Porque é uma Justiça feita no atropelo. É uma Justiça que pode contentar a quem está há 10, 15 anos na Justiça e não tem uma decisão. Mas ela não contempla os desejos das partes em obter Justiça com letra grande.
     Às vezes, aqui em São Paulo, a Justiça se acumula por causa da centralização, e acontece que às vezes o tribunal designa três, quatro juizes para fazer o tal do mutirão. Mas isso não é, na minha visão, fazer Justiça, isso é uma maneira distorcida de você distribuir justiça porque você não quer entrar no âmago da questão. Que é aproximar o juiz da parte. E se você não aproxima o juiz da parte, se você não descentralizar a Justiça ela vai continuar do mesmo jeito.
     São Paulo tem 10 milhões de habitantes, ela tem uma justiça criminal centralizada na Barra Funda, uma Justiça Civil centralizada na João Mendes, e você tem uma meia dúzia de fóruns distritais que são centralizadores também, com um número muito grande de jurisdicionados. A minha ideia, que nunca foi para frente era você criar nas grandes cidades, juizados com competência plena, para 20 mil pessoas, 25 mil pessoas.
     Você tem aqui em São Paulo 180 distritos policias – se não me falhe a memória – e por que você não tem 180 distritos judiciais? Hoje em São Paulo, se você quisesse criar 180 juizados distritais você criaria, porque você botava os juizados nas delegacias distritais. 
     No processo penal, se o juiz não é o juiz que instrui a causa, que ouve a vítima, ouve as testemunhas... isso pode levar, muitas vezes, à impunidade e muitas vezes à injustiça. 
     Eu me lembro quando eu era promotor publico em Sorocaba, era uma vara só. Sabe qual era a nossa pauta? 30 dias. Era um juiz e um promotor para 20, 25 mil pessoas. Então, você dava conta do recado, você conhecia as pessoas com quem você tava lidando, às quais você estava dando uma sentença. Era algo mais próximo das pessoas.

Caê — Muitos servidores e juízes de 1ª instância reclamam da instituição dessas metas sem um diálogo com os servidores da base.

HB — Como eu disse de início, eu não sou favorável a um órgão dentro do Poder Judiciário, ou dentro do Ministério Público para, administrativamente, vamos dizer assim, ser uma espécie de corregedor dessas duas instituições.
     Sem dúvida nenhuma, isto está fora da minha concepção de um governo democrático. Acho que evidentemente você não precisa ter um órgão, você precisa com essa proximidade entre as partes, relativamente ao juiz, ao promotor e ao advogado você ter um canal de correição. Você não precisa sair do sistema para fazer a correição, você tem um canal de correição. E acho que esse canal funcionaria muito melhor se você tivesse um maior contato com as pessoas que constituam esses canais.
     Essas intervenções tópicas podem dar uma ilusão que você está corrigindo os defeitos da Justiça, mas os defeitos da Justiça continuam os mesmos, por que você tem uma centralização na 1ª instância, na 2ª instância.
São Paulo poderia ser divida em quatro ou cinco tribunais, que fossem para o interior. Por que você tem que fazer a segunda instância só na capital? Essa organização judiciária precisaria ser revista e acho que isso é um dos pontos importantes que um conselho nacional da magistratura e do Ministério Público poderia formular um planejamento novo como funcionar uma nova estrutura.

César — Quando se fala de Meta 2 dá impressão que eles querem resolver um problema deles, para se livrar dos processos.

HB — Eu, por exemplo, tenho um caso na Justiça Federal, que está há nove anos. Repetição de débito, eu paguei a mais o imposto de renda e estou querendo reaver o que paguei a mais. Segunda sentença favorável na justiça de 1ª instância, foi para 2ª instância, aquela história de você não ter direito de enfrentar a causa. O único juiz viu que não tinha sido intimada a fazenda estadual, que não tinha que ser intimada, anulou o processo, para ser intimada a fazenda estadual. Então, foi intimada a fazenda estadual, que não tinha nada que ver com isso. Depois o juiz daqui determina: se produzam as provas tais, e tais; e essas provas estão todas no processo. Por que juiz não olha o processo para trás, ele olha até o último despacho, do último despacho para frente.
     Quer dizer, o acúmulo de serviço do juiz faz com que distorça do trabalho do juiz. Então não adianta você fazer um mutirão, porque o mutirão é partir do último despacho.

Caê – O senhor disse que tentou implementar algumas mudanças, mas que elas não deram certo. Por que elas não deram certo?

HB – Porque elas não foram postas em prática. Vou contar apenas um episódio pequeno que aconteceu comigo. Quando o José Sarney assumiu a Presidência da República, ele fez um programa de mutirão contra a violência. Então ele chamou algumas entidades de direitos humanos para conversar lá em Brasília e entre essas entidades ele chamou a Comissão de Justiça e Paz aqui de São Paulo. Então nós fomos, e ele falou: a primeira coisa que a gente precisa acabar é com a lei Fleury. E eu disse a ele: “olha senhor Presidente, o senhor me desculpe, mas a lei Fleury só tem de mau o nome”. Ela é boa porque impede que o réu primário responda ao crime que está sendo processado dentro da prisão. Depois eu falei um pouco dessa ideia da descentralização e a coisa morreu ali. 
     Mas no almoço, o Fernando Lira, que era Ministro da Justiça, me pegou e disse: o velho, você não quer fazer uma experiência piloto desse seu projeto?”. Eu disse “quero, se vocês me derem os meios, eu quero fazer”. Ele respondeu: “então eu vou dar os meios para você e você vem fazer o seu projeto aqui em Brasília”.
     “Eu não vou poder ficar morando em Brasília”, eu respondi, “mas eu posso vir, fazemos uma equipe”. Fizemos uma equipe e começamos a conversar com a polícia, com a Justiça, com a promotoria, e fizemos um projeto que era o seguinte: no mesmo prédio você teria a delegacia de polícia, você teria a Justiça, com o juiz, o promotor, a sala de audiência, os cartórios e uma pequena prisão para no máximo 100 pessoas. Então o juiz e o promotor fiscalizariam a polícia, que estava do lado, e o juiz decidia de acordo com o que ele sabia das pessoas e aqueles que eram presos ficavam às vistas do juiz. O juiz, em vez de mandar o réu cumprir a pena num outro setor onde não teria mais nada a ver com aquilo, estaria vendo o que estava acontecendo com os réus que ele havia condenado. E nós fizemos o projeto, escolhemos até o local para fazer o edifício piloto e fazer a coisa funcionar. Quando o Fernando Lira foi substituído pelo Paulo Brossard, que engavetou o projeto e acabou.

César – O projeto nem chegou a ser piloto...

HB – Ele não saiu do papel e depois, os vários ministros da Justiça que passam por lá eu mando o projeto, mas nunca tive resposta.

César – Já que o senhor tocou num ponto histórico... O senhor se sentiu um pouco decepcionado quando o Fleury* morreu naquele acidente que até hoje não se sabe se foi acidente ou não?

HB – Não fiquei decepcionado porque ele tava sendo processado. Uma coisa que foi importante durante essa ação foi: primeiro firmar a posição do Ministério Público como um poder de investigação, porque quem fez a investigação não foi a polícia, porque a polícia não iria investigar os crimes cometidos por ela própria. Então, isso ficou claro em várias decisões do STF porque muita gente foi por esse lado: “onde está o inquérito policial?”, como se o inquérito policial fosse obrigatório para se chegar a uma denúncia.
     Outra coisa importante foi a prisão do Fleury. Tanto que a lei que se fez foi exatamente para que ele fosse solto, porque ele já tava fazendo parte do setor de segurança da ditadura militar e não convinha que ele continuasse preso, ele precisava continuar atuando como ele atuava, torturando, matando. Então acho que houve esses dois efeitos. Até hoje há uma busca no sentido de se impedir que o Ministério Público investigue, existe até uma ação no STF tentando tirar do MP o poder investigativo.

Caê – Como o senhor vê essa tentativa, por parte de alguns políticos, de calar o Ministério Público?

HB – Parece que até tem projeto de lei, mas eles estão tentando furar esse negócio no Supremo. Tem uma ação de inconstitucionalidade no Supremo. Já teve uma que não teve andamento. Mas essa ação eu não sei por que ela parou. Eu até na ocasião mandei um parecer que eu fiz para todos os membros do STF e o relator, que era o Eros Grau, o voto dele é favorável ao nosso ponto de vista, de que o MP pode investigar e deve investigar. Ele até me mandou uma cópia do voto dele.

César – Tem um processo que o senhor conhece muito bem que é o caso do Celso Daniel, onde o “Sérgio Sombra” está com um recurso extraordinário, tentando anular todo o processo, pois foi a promotoria de Santo André que fez toda a investigação. Agora teve duas decisões, não do plenário, mas de turma lá do STF que ratificou o poder de investigação do MP.

HB – Eu acho que essa é uma coisa já perdida no Supremo, porque se você for pegar a jurisprudência anterior ela vai no sentido de quê? E agora tendo o poder de fiscalização externa da atuação judicial o que mais?

César – Não consigo entender o que aconteceu no entorno do crime do Celso Daniel, porque teve vários outros crimes, homicídios. De tudo que o senhor já leu, eu sei que o senhor já enviou algumas cartas da família do Celso Daniel para as autoridades. O que o senhor tirou de tudo isso?

HB – Eu conheci pouco do Celso Daniel, me parecia uma pessoa afável, não me parecia que tivesse envolvido em questões de corrupção, como eu vi no PT com o “mensalão” e outros anteriores e posteriores. Mas o que me sobra de tudo isso é que contrariamente ao que o Judiciário afirma é que foi um crime político em torno dessa questão de arrecadação de dinheiro. Agora, como isso funcionou no mecanismo lá de Santo André, qual foi a atuação do Celso Daniel eu não sei, eu tenho a convicção de que foi queima de arquivo. Tenho sustentado que ali foi crime político.
     A família foi perseguida aqui em São Paulo, o irmão foi para a França, lá ele conseguiu o estatuto de refugiado. Quer dizer, se você consegue o estatuto de refugiado é porque a França considerou que ele era um perseguido político. E isso está na mão não sei mais nem de quem. Os promotores lutaram até determinado ponto e não sei se continuam lutando para manter a versão de que se trata realmente de um crime político.

César – Outras pessoas que morreram. Eu lembro do garçom, da camareira, da moça que trabalhava lá e tem alguns outros da vizinhança que morreram.

HB – Que foi “morrido”.

Caê – O senhor falou do mensalão; que está para ser julgado no STF. O Dias Toffoli foi indicado pelo Lula, com muitas críticas...

HB – Pois é. Ele não tem os requisitos constitucionais para ser ministro do Supremo. Então, o que acontece? O Presidente indica. O Senado sabatina. Quem dá a posse, depois da nomeação? É o Supremo. Se o Senado funcionasse, parava no Senado. Mesmo que o Senado não funcionasse, depois da nomeação pelo Presidente da República quem dá a posse é o Supremo, e o Supremo pode dar, ou não dar. Ninguém é obrigado a dar a posse a uma pessoa que o Presidente nomeia.
     Já houve um caso, não no Supremo, mas no Supremo Tribunal Militar, que um político indicado pelo Sarney, não me lembro o nome dele, era um deputado federal, que passou na sabatina do Senado, que é pro-forma, porque se o governo tem a maioria no Senado, acabou. O sujeito vai lá, diz o que bem entende, acabou, aprovou. Mas o STM negou a posse e esse cidadão não conseguiu entrar no Superior Tribunal Militar. Então quer dizer, se você tem um sistema que realmente funcionasse, tudo bem.

Caê – Agora, diante do fato de o sistema não funcionar, a gente corre o risco de a democracia retroceder de como ela está?

HB – Eu acho que retrocede. Eu acho que, por exemplo, essa questão do Presidente ter maioria no Supremo... ele já tem a maioria na Câmara, no Senado e a maioria no Supremo, aí é um golpe do Estado Democrático. Não é? O Estado Democrático é a autonomia dos poderes, os poderes não são autônomos. O Presidente da República hoje manda no Senado, manda na Câmara e manda no STF, haja vista as últimas duas decisões relativas à expatriação do Battist e relativo agora à questão da imprensa.
     O Supremo, quando ele achou que era caso de extradição, acabou, manda extraditar, não entrega a decisão ao Presidente da República. Então o Presidente fica acima do STF? Quero dizer... “olha cidadão, tem que extraditar”, “não extradito, porque é um poder que eu tenho”, que o Supremo deu de graça para o Presidente da República. Então quer dizer, não está funcionando. Nós temos uma democracia entre aspas, formal. Você tem uma Câmara, um Senado, mas quem manda mesmo é o Presidente da República.

César – O Supremo está atuando num vácuo do poder legislativo, o chamado ativismo judicial, criando leis, criando normas, foi assim em relação ao direito de greve do servidor público, foi em relação ao nepotismo, o que o senhor entende por esta postura do STF. Acha que isso é perigoso?

HB – Acho que o Supremo está fugindo das funções dele. A função do Supremo é julgar. E eles estão extrapolando a atuação do julgador, passando a legislar a impor dispositivos legais que eles acham que são aqueles que se ajustem a um determinado caso.

César – Então, com essa vinculação que o Supremo tem com a presidência, o STF acaba ditando qual é a vontade da presidência?

HB – Exatamente.

César – Tem um caso, talvez o mais emblemático, que é o do Paulo de Tarso Venceslau**, o senhor participou da Comissão, junto com o Dr. José Eduardo Martins Cardoso...

HB - Teve um outro que foi secretário da Erundina (de Planejamento) e que era chefe do Mantega, que agora não me recordo... Na verdade, o Paulo de Tarso, a Comissão de inquérito não podia dizer que fulano é culpado. Pelo que nós concluímos, nós indicamos que se fosse feita uma comissão de ética para apurar as responsabilidades do Roberto Teixeira e do Paulo de Tarso. 
     O Lula interveio, o Roberto Teixeira, que é “comprade” do Lula ficou fora e puniram o Paulo de Tarso. Foi um esquema que eu não diria que foi um mensalão, mas foi um esquema de obter dinheiro não através de uma maneira licita porque a empresa do Roberto Teixeira era contratada sem qualquer tipo de licitação naquela brecha que diz que empresas especializadas em determinados casos não se faz licitação.
     O Lula acabou pedindo para muita gente, inclusive para a Erundina para ela contratar essa empresa, ela não contratou. Ela me confirmou pessoalmente que ele tinha pedido a ela para contratar a empresa. Onde foi esse dinheiro? Dizem que foi para aquela Caravana da Cidadania, que ele fez antes da primeira campanha para Presidente da República, que ele andou o Brasil inteiro. Dizem que a atuação da empresa deu um resultado enorme, de milhões de reais.

César – E o Roberto Teixeira acabou entrando com uma ação contra o senhor...

HB – Duas. Uma foi contra uma entrevista que eu dei para a Veja, essa já está liquidada, o juiz já deu a sentença. Mandou ele pagar as custas. E a outra é contra mim e a editora Martins Fontes, acho que vai para mesmo caminho.

Caê – Um dos grandes problemas que afligem o servidor do Judiciário hoje é o assédio moral. Uma pesquisa revela que 70% da categoria já presenciou situações de assédio e dano moral. Atribui-se como causa disso, a postura que o Juiz tem. Uma pessoa inatingível, inabalável...

HB – Eu acho que é por aí mesmo. O juiz hoje não recebe as partes, embora o estatuto dos advogados tenha um dispositivo que diz que os juizes devem receber as partes, mas nunca recebem. Você vai no STF, tem pelo menos um juiz, que é o Joaquim Barbosa, que não recebe ninguém e outros não recebem também. Se recebem, você vai falar com ele depois que a causa já foi decidida. O juiz se encastela, acho que ele tem medo de ser corrompido, ou então ele só se corrompe em meios muito restritos.
     Acho que não tem o menor sentido a maneira que os juizes atuam hoje em relação aos advogados e as partes. Você vai a uma audiência, o juiz fica lá em cima e você fica lá embaixo. Ele está mostrando exatamente a diferença que existe entre ele e você.]

Caê – O senhor teria alguma proposta para mudar essa relação do juiz encastelado?

HB – Você sabe que na época do iluminismo, quando começou a se separar a função do promotor não como agente do rei, mas como agente público, eles deram ao Ministério Público o nome de estrado, o estrado onde ficavam os magistrados. Ou seja, o Ministério Público passou a ocupar o mesmo estrado que ocupavam os magistrados, para igualar. Então eu digo, se você quer, realmente, acabar com essa posição de acima do mal e do bem por parte dos juízes, você tem que colocar todos no mesmo estrado, juiz, advogado, Ministério Público e partes.

* Sérgio Paranhos Fleury foi o mais notório dos torturadores da ditadura e líder de um esquadrão da morte responsável por mais de duzentos assassinatos. Segundo o jornalista Luca Figueiredo, no livro Ministério do Silêncio, nos anos de chumbo, Fleury fez o trabalho sujo para o Centro de Informações do Exército (CIE) – Serviço secreto do Exército que além de levantar informações atuava na repressão.

** Paulo de Tarso Venceslau, expulso do PT em 1998, economista e ex-secretário de finanças da Prefeitura de São José dos Campos-SP na gestão da petista Ângela Guadagnim (1993 a 1996). Tarso denunciou esquema de caixa dois que envolvia uma empresa operada por Roberto Teixeira, compadre de Lula.
     Após a denuncia, foi formada uma comissão para investigar a denuncia. Hélio Bicudo foi um dos membros desta comissão. No final da história, quem acabou expulso do PT foi o Paulo de Tarso.


Redação do Sintrajud-SP
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