7/2/2014


SEMINÃRIO

"Metade do orçamento é esterilizado com a manutenção do sistema da dívida", diz Fattorelli

Auditora fiscal e coordenadora da Auditoria Cidadã debateu em seminário do funcionalismo relação entre a dívida pública e investimentos em serviços públicos


      “O que quebra o Estado brasileiro é o pagamento religioso da dívida pública, que nunca foi auditada, e não o reajuste dos servidores”. Essa frase, da coordenadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida Pública, Maria Lúcia Fattorelli, deu o tom de sua palestra “A dívida pública e os serviços públicos”, realizada no auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, no dia 6 de fevereiro.

      Mais do que uma palestra, foi um ato político da Campanha Salarial Unificada do funcionalismo, que além das reivindicações salariais, exige “serviços públicos padrão Fifa!”. Um dia antes, os servidores fizeram um ato nacional em frente ao Ministério do Planejamento, quando foram recebidos por representantes do governo.

      A partir de dados oficiais, Fattorelli explicou que o pagamento dos serviços da dívida (rolagem, juros e amortizações) consumiu, em 2013, 40,13% de todas as receitas federais: R$ 718 bilhões. Já em 2014, a lei orçamentária prevê um gasto superior a um trilhão de reais. “Metade do orçamento é esterilizado, como a manutenção do sistema da dívida”, disse.

      Para Fattorelli, há fortes indícios de que a dívida pública é manipulada, para beneficiar os grandes bancos e especuladores, que detém os seus títulos. Por isso, ela defende a auditoria da dívida, iniciativa prevista na Constituição Federal, e cita como exemplo o Equador, que anulou 70% de sua dívida após auditá-la, dando “uma lição de soberania ao mundo”.

 Sistema da dívida

      Coordenando os trabalhos da Auditoria Cidadã há 14 anos, Fattorelli explicou que o pagamento da dívida não é isolado, trata-se de “sistema de endividamento”. “É a utilização da dívida às avessas, que em vez de aportar, subtrai recursos [do país]”. Segundo explicou, quando o Tesouro emite títulos e os vende, deve receber aportes, mas, “na maioria das vezes não houve essa entrega”, disse, referindo-se ao histórico da atual dívida pública brasileira, que foi gerada a partir de 1970, no “milagre econômico”, durante a ditadura militar.

      De acordo com Fattorelli, o sistema se reproduz internacional e regionalmente, nos estados, e opera a partir do modelo econômico adotado no Brasil – com controle de inflação por meio das altas taxas de juros e manutenção do superávit primário, que é obtido com o contingenciamento de gastos. “Assim não sobram recursos para reajuste de servidores, ou manutenção da estrutura do Estado. [O resultado] é a intensificação das privatizações, pelas mãos do PT, que está fazendo pior do que FHC, privatizando a estrutura do Estado: estradas, portos, aeroportos, petróleo”.

      O sistema da dívida opera, além disso, privilegiando os agentes financeiros (basta ver os recordes de lucros dos bancos); a partir de um sistema legal, que vem sendo construído no Brasil desde a Constituição de 1988 e do sistema político: “Quem foram os grandes financiadores da campanha de Dilma [Rousseff (PT)] e de [Geraldo] Alckmin [(PSDB)], na campanha de 2010?”, questionou.

      Há ainda outros dois pilares que sustentam o sistema da dívida: a corrupção e a grande mídia, que é financiada pelos mesmos grupos econômicos que se beneficiam do pagamento da dívida pública.

 Ataques à Previdência

      A segunda maior fatia do orçamento da União vai para a previdência, o que “explica porque a grande mídia ataca a Previdência Social”, fabricando notícias sobre um déficit, que não existe. “Fabricam esse déficit para manipular a cabeça dos trabalhadores e fazer seguidas reformas da Previdência. Vão tirar [recursos] de onde ainda tem, que é da Previdência”, disse Fattorelli, que defendeu a luta pelo fortalecimento da previdência pública.

      A palestrante ressaltou que é preciso lutar pelo reconhecimento da nulidade da reforma da Previdência, de 2003. “Essa reforma é nula, precisamos lutar para que essa nulidade seja reconhecida. Se não fosse a compra de votos [no mensalão], a reforma não teria sido aprovada”, destacou.

     Fattorelli também criticou o Funpresp, aprovado por Dilma Rousseff (PT), que privatiza o sistema de previdência dos servidores públicos. “Esses fundos de pensão pegam um dinheiro legítimo e compram derivativos, que são papéis sem lastro, papéis podres. Na Europa, a quebra dos fundos de pensão está levando milhares de idosos ao pânico, muitos estão cometendo suicídio”, disse, fazendo referência à crise econômica iniciada em 2008 por conta dos papéis sem lastro.

 Jornadas de Junho

      Fattorelli afirmou que “não dá para ter ilusão” no governo do PT e questionou: “De que lado a CUT vai ficar?”. Ela lembrou que, em 2013, a população foi às ruas exigir saúde e educação, e que na campanha que está começando agora os servidores públicos vão ter que mostrar para a sociedade “que lutamos por um serviço público de qualidade”. “Quando nos apropriamos desses dados [da dívida pública], sentimos a responsabilidade de lutar cada vez mais. Tomar conhecimento deles gera um poder social, esse poder é que vai gerar mudanças”.

Parlamentares presentes no Seminário

      Os deputados federais Chico Alencar (RJ) e Ivan Valente (SP), ambos do Psol, estiveram no seminário e manifestaram apoio à luta dos servidores públicos. Valente destacou a mensagem da presidente da República ao Congresso Nacional, na abertura dos trabalhos legislativos deste ano, quando Dilma afirmou que manterá o tripé econômico (superávit primário, câmbio flutuante e controle da inflação) e “alertou” os parlamentares para que não apresentassem pautas bombas.

      Já o deputado carioca afirmou que “a luta dos servidores públicos não é apenas pela dignidade remuneratória. [Ela é] essencial ao povo brasileiro, que tem no serviço público sua única defesa. É uma luta altamente patriótica”, disse.


Caê Batista
sintrajud