26/11/2013


PRIVATARIAS

Algoz do servidor na gestão FHC, Moreira volta a sorrir com privatizações de Dilma

Após 16 anos, ministro de Dilma repete com leilão de aeroportos largo sorriso com que festejou emenda de FHC que punha fim à estabilidade dos servidores


 Quase exatos 16 anos separam as duas emblemáticas imagens, que trazem um sorridente personagem da velha política brasileira. Na sexta-feira (21), o ministro da Aviação Civil, Moreira Franco, posou para as câmeras batendo o martelo no leilão que privatizou dois aeroportos do país, Galeão (RJ) e Confins (MG). Não economizou no gordo sorriso que, tempos atrás, deve ter contribuído para o governador Leonel Brizola (1922 - 2004) chamá-lo de gato angorá. O mesmo largo e eufórico sorriso que, no dia 26 de novembro de 1997, as lentes dos fotógrafos capturaram quando o então deputado federal Moreira Franco comemorava a aprovação na Câmara do fim da estabilidade dos servidores públicos.

Pode-se dizer que não há incoerência nas expressões do político, que teria como sustentar que mudou de lado sem alterar suas convicções. Mas, 16 anos atrás, o então relator da reforma administrativa festejava, de punhos erguidos, a aprovação de uma emenda constitucional patrocinada pelo então presidente tucano Fernando Henrique Cardoso (PSDB). À época, os parlamentares petistas votaram contra a proposta. Agora, alçado à condição de ministro, Moreira festeja mais uma privatização do governo de Dilma Rousseff, do mesmo PT que nos anos 1990 combatia e recorria à Justiça contra as chamadas medidas neoliberais do adversário tucano, dentre elas as privatizações e a própria reforma da administração.

Fim da estabilidade

O algoz dos servidores foi quem relatou a proposta que seria aprovada como Emenda Constitucional 19, votada na Câmara em novembro de 1997 e no Senado em março do ano seguinte. Chegou a dar entrevistas dizendo ser contra o fim da estabilidade, mas, no transcorrer da relatoria, trabalhou para que servidores públicos ficassem vulneráveis às demissões tanto por insuficiência de desempenho quanto quando o limite de gastos com pessoal de municípios, estados e União ultrapasse 60% da arrecadação.

À época, com a economia mundial e brasileira passando por uma forte crise, a mídia, governos e parlamentares trabalhavam com a ideia de que as demissões seriam quase imediatas. Mas houve resistência, as votações foram apertadas e até hoje – passados mais cinco anos de governo tucano e 11 de governos petistas – as mudanças não foram regulamentadas por lei complementar, embora o projeto para isso, o PL 248/1998, já esteja pronto para ir à votação final no plenário da Câmara.

O entusiasmo de Moreira pelos serviços prestados a FHC em 1997 chamaram tanto a atenção que os jornais do dia seguinte destacaram a fotografia. Na edição da "Folha de São Paulo" de 27 de novembro daquele ano, a foto do deputado em meio a dezenas de parlamentares governistas ocupa quase a metade da parte superior da primeira página, acompanhado da legenda "Moreira Franco (de óculos ao centro), relator da reforma administrativa, festeja com governistas o fim da estabilidade do servidor".

A festa refere-se exclusivamente à votação do dispositivo que permite demitir servidores estáveis, destacado pela oposição e aprovado por 18 suados votos a mais do que o necessário. Na véspera da votação, FHC e ministros passaram o dia ligando para deputados tentando pressioná-los a votar pelas demissões dos servidores que, pouco antes, o presidente chamara de vagabundos que se aposentam antes dos 50 anos de idade.

Dinheiro do BNDES

No recente leilão de 22 de novembro, Moreira festejava o ágio de quase 300% no valor mínimo da privatização do Galeão. Ao todo, a União arrecadará R$ 20,84 bilhões com a concessão dos dois dos maiores aeroportos brasileiros para que empreiteiras e operadoras estrangeiras possam lucrar com a exploração dos espaços e serviços. O que a mídia quase não fala e o governo muito menos, é que este valor será pago ao longo de distantes 25 anos.

Trocando em miúdos, na média as empreiteiras repassarão cerca de dois milhões por dia à União – valor risível para as contas públicas e cerca de 500 vezes menor do que os quase R$ 1 bilhão gastos por dia pelo poder público para pagar juros e amortizações da dívida, que acaba de atingir a marca histórica de dois trilhões de reais. Em pouco tempo, há a previsão de que algo em torno de R$ 6 bilhões de recursos públicos sejam desembolsados pelo BNDES para financiar, a juros menores que os de mercado, obras nos aeroportos – que só passarão ao controle dos novos donos no ano que vem, após a conclusão de reformas e expansões que já estão em curso, promovidas pela estatal Infraero. 

Dilma faz a feira das privatizações

Críticos da privatização observam ainda que a transferência da gestão de serviços de transportes coletivos para empresas privadas não é novidade – e ocorreu a passos largos nos anos 1990. No Rio e em boa parte das cidades, quase tudo está nas mãos de empresários e vem sendo alvo de protestos pelos péssimos e caros serviços prestados. É o caso dos ônibus – que motivaram as megamanifestações de junho – dos trens, com acidentes e depredações frequentes, das barcas, com longas filas e talvez a tarifa mais cara do país, e do metrô carioca.

O leilão do Galeão e de Confins aconteceu um mês após a privatização, com uso do Exército e da Força Nacional, do Campo de Libra, no pré-sal, maior descoberta de reservas de petróleo da história do país. Nesta sexta-feira (29), Dilma privatiza mais rodovias federais, que ganharão pedágios particulares. Na véspera, pretende pôr à venda 240 blocos terrestres da polêmica exploração do gás de xisto. Nas eleições de 2010, a então candidata do PT fez discurso e propaganda criticando as privatizações e afirmando que não as faria. As pesquisas não eram divulgadas, mas sabia-se, à época, que era imensa a rejeição às privatizações. Não há registro público de pesquisas de opinião recentes sobre os novos leilões. Mas, a julgar pelo apoio ostensivo da mídia às privatizações, essa ausência de informação é reveladora: a rejeição deve seguir majoritária na população.


Hélcio Duarte Filho
lutafenajufe