30/11/2013




PÚBLICO X PRIVADO




 Ex-símbolo da gestão privada, Eike desaba e faz dinheiro público virar pó

Pedido de recuperação judicial da petroleira OGX marca bancarrota do empresário que recebeu R$ 10 bi de Lula e Dilma e já afeta até aposentadoria de fundo de pensão

O pedido de recuperação judicial da petroleira OGX, maior empresa do Grupo Eike Batista, marca a derrocada do empresário alçado pela mídia e governantes a símbolo da eficiência e do dinamismo da gestão privada, em nítida contraposição à supostamente engessada gestão pública. O pedido é uma tentativa de evitar a decretação de falência da empresa. A simpatia do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma Rousseff por ele está expressa em números: durante as gestões dos dois petistas, o BNDES emprestou ao empresário, a taxas de juros inferiores às de mercado, algo em torno de R$ 10 bilhões. Isto faz do banco estatal que traz no nome a intenção de subsidiar o desenvolvimento social provável maior credor individual das empresas de Eike.

No Rio, ele se tornou símbolo ainda do processo de privatização da cidade, ao ponto de ter sido cantado em musiquinhas nada agradáveis nas manifestações de junho, sempre acompanhado do rejeitadíssimo governador Sérgio Cabral Filho. O lado privatista do empresário ganhou evidência quando tentou mexer na arquitetura da Marina da Glória, no Aterro do Flamengo, e recebeu do governador Sérgio Cabral Filho a concessão do complexo do Maracanã, estádio de futebol que será palco da final da Copa do Mundo de 2014.

Hotel Glória em ruínas

Comprou, em 2008, o tradicional Hotel Glória, fechou um teatro que funcionava em seu térreo e, para reformá-lo, recebeu financiamento federal direcionado aos preparativos para a Copa e Olimpíadas. Mas teve problemas com o Patrimônio Histórico quando tentou derrubar paredes do prédio, construído em 1922, e, hoje, já está descartado que antes charmoso Hotel Glória volte a hospedar alguém antes de o maior torneio de futebol do mundo acontecer no Brasil, em julho de 2014.

É na construção do Porto de Açu, no Norte Fluminense, que Eike Batista talvez seja alvo das denúncias mais graves: é acusado de expulsar famílias que viviam há décadas na região, de se utilizar de grupos armados para vencer resistências ao projeto e de provocar desastres ambientais. As denúncias dos movimentos sociais, sindicatos e de partidos de esquerda foram constantes, mas tanto a Justiça quanto o Ministério Público Estadual pouco ou nada fizeram.

Protestos de junho X Eike

Até o momento o governo federal evitou falar sobre as garantias de que os cerca de R$ 10 bilhões emprestados pelo BNDES ao empresário vão algum dia ser recuperados. Também não está em curso qualquer investigação sobre as responsabilidades pelos empréstimos destes recursos públicos e sobre eventuais irregularidades na administração das empresas do grupo. Mais que isso, em maio deste ano, quando o naufrágio já era iminente, o governo permitiu que a OGX participasse da 11ª Rodada de privatização de áreas para exploração de petróleo e levasse 13 blocos, sendo que posteriormente devolveu nove deles sem pagar a assinatura do contrato. 

É possível, porém, que o governo federal planejasse lançar uma bóia para salvar as empresas do grupo e, por isso, considerasse a presença da OGX viável na continuidade do processo de privatização do petróleo brasileiro. Mas as grandes manifestações de junho, que aconteceriam logo depois, podem ter derrubado não só o aumento de 20 centavos na tarifa das passagens de ônibus, mas também a ideia de socorro ao empresário. Há quem as aponte os protestos como fator preponderante para que o governo de Dilma Rousseff descartasse pôr em prática uma operação para salvar o grupo com a injeção de mais recursos públicos, via BNDES. Esta avaliação foi além das fronteiras: em Londres, o jornal "Financial Times" publicou reportagem na qual considerava difícil para o governo salvar um negócio privado desta magnitude após as multidões ocuparem as ruas defendendo serviços públicos melhores.

Fundo de pensão tem perda

A derrocada de Eike também resultou num prejuízo bilionário para milhares de acionistas que aplicaram seus recursos nas Bolsas de Valores. Em novembro de 2010, as seis empresas de capital aberto do grupo chegaram a valer R$ 98 bilhões. Quando o empresário pediu a recuperação judicial da OGX, todas juntas estavam avaliadas em R$ 6,6 bilhões – quantia, portanto, bem inferior até mesmo ao conjunto de empréstimos concedidos por Lula e Dilma ao empresário por meio do BNDES, próximos a R$ 10 bilhões.

Em 2008, na primeira oferta pública de ações da OGX na Bovespa, a empresa captou R$ 4,1 bilhões – no auge da cotação, cada ação chegou a valer R$ 23,00. Quando pediu a recuperação judicial, no dia 30 de outubro de 2013, quem tinha ações da petroleira de Eike nas mãos estava com um mico que valia 0,17 centavos por ação e que, a partir dali, não poderá mais ser negociado na Bolsa, até que seja realizado um leilão especial para descarte dos papeis, agora podres.

O desastre do Grupo Eike no Bovespa teve reflexos ainda sobre o fundo de pensão Postales, dos funcionários dos Correios, que havia investido recursos da aposentadoria dos trabalhadores na empresa. O prejuízo com ações destas e de outras empresas estaria na casa de R$ 1 bilhão e já tem impacto no futuro benefício dos segurados do fundo da estatal. "Há um fetiche com a eficiência da gestão privada e estamos num bom momento para [derrubá-lo]", observa a pesquisadora de fundos públicos e de pensão Sara Granemann, da Escola de Serviço Social da UFRJ, que considera aplicações em fundos de pensão privados como o Funpresp, dos serviços públicos federais, um negócio de alto risco.


Hélcio Duarte Filho
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