22/3/2011


DIREITO DE PROTESTAR

Emoção e protesto marcam libertação de presos de Obama no Rio

Comparando repressão à ditadura, manifestantes do ato no consulado dos EUA, presos há 3 dias, obtêm a liberdade após campanha nacional de solidariedade


 Houve festa, ansiedade, emoção. Palavras de ordem foram cantadas acompanhadas de declarações de que a luta continuará. Abraços apertados, beijos, lágrimas. Teve tudo isso na libertação dos 13 manifestantes encarcerados por três dias, após o ato no consulado dos Estados Unidos, ocorrido na sexta-feira (18), e que ficaram conhecidos, dentro e fora dos presídios, como presos do Obama, referência à repressão aos protestos durante as visita do presidente dos EUA ao Brasil.

        Eles foram soltos em diferentes horários entre a noite de domingo (20) e a de segunda-feira (21). Todos saíram sob habeas corpus, obtidos pelos advogados em meio a uma campanha política nacional contra as prisões. O primeiro foi o estudante de 17 anos, ainda na noite de domingo. Ele se encontrava na triagem que o encaminharia ao Instituto Padre Anchieta, na Ilha do Governador. Na segunda-feira, por volta das 14 horas, saiu Maria de Lourdes, uma aposentada de 69 anos, conhecida como “Vovó Tricolor”, referência à militância ativa que tem na torcida do Fluminense. Ela dividia a cela, em Bangu 8, com outras duas jovens presas após o protesto, que saíram poucas horas depois, por volta das 19 horas, junto com o advogado José Eduardo, também preso no local.  

        Parentes e militantes os recepcionaram na porta do complexo penitenciário de Bangu. Foram saudados com aplausos e palavras de ordem que condenavam a repressão política. “Estou muito emocionada. É um absurdo que isso aconteça, eu achava que nós estivéssemos vivendo numa democracia, mas parece que não, parece que estamos numa ditadura. É o primeiro passo [deixar o presídio], o segundo é garantir que a justiça seja feita”, disse Chirlete Natal, mãe da estudante Gabi, 24 anos, uma das que estava em Bangu, e de Yure, preso no Ary Franco, em Água Santa, onde o tio deles, Washington Costa, militante do PSOL e presidente da CUT-RJ na década de 1990, o aguardava. Ali estavam cerca de 50 pessoas, que vigiavam o presídio a espera dos outros oito manifestantes presos. Por volta das 19h45, os três que estavam em Bangu 8, já em liberdade, chegaram à porta do Ary Franco para se juntar à vigília que aguardava a saída dos demais companheiros. Outra vez foram recebidos com aplausos, festa e mais abraços.

        “Todos eles estão bem?”, perguntou Gabi sobre os demais prisioneiros, assim que desceu do carro que a levou de um presídio a outro. Logo depois, falou aos repórteres – numa entrevista entrecortada por choros incontidos. “A nossa preocupação é que tinha uma senhora de 69 anos com a gente na cela, e ela chorava todo o dia, a gente cuidava dela e ela cuidava da gente”, disse. “Ela estava sentindo muita falta da filha”, explicou. A senhora é a já citada Maria de Lourdes, que, nas palavras de Gabi, “viu o ato [de sexta-feira], muito bonito e pacífico, e resolveu entrar”. Ainda segundo a estudante, quando a Vovó deixou o presídio de Bangu, cinco horas antes das companheiras de cela, abraçou as duas e emocionada disse: “Minha filhinha, minha filhinha, vocês são ótimas, a gente vai sair dessa”.

        Aos conversar com os jornalistas, a aluna de História da Arte na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) não poupou críticas à presidenta do Brasil. “O que surpreende é que [ela] participou de manifestações e foi presa política”, disse Gabi. A uma repórter que indagou “como fica a militância agora”, respondeu sem rodeios: “Espero que fique forte, porque ninguém é criminoso”.

        Pouco depois, mais calma porém ainda sem conseguir evitar as lágrimas, falou à reportagem sobre o avô, Eurico Natal, de 83 anos, que combateu a ditadura militar atuando na mesma organização de Dilma Rousseff, e que também foi preso e torturado no início da década de 1970: “Eu entendo o que ele passou e entendo também porque ele continuou na luta, não é isso que vai abalar a gente porque a nossa causa é muito maior e não é crime você reivindicar, é direito e dever nosso”, afirmou a estudante. “O que dirá ao avô quando encontrá-lo”, perguntou o repórter. Refletiu alguns segundos e respondeu: “Que eu tenho muito orgulho dele, o que eu passei nem se compara ao que ele passou, mas me fez compreender muito mais o orgulho dele e porque ele é um avô tão rico para gente”.

Ato público em frente ao presídio

        Apesar da comemorada chegada dos três que estavam em Bangu, fora e dentro do Ary Franco o clima ainda era de ansiedade com a demora na liberação de quem continuava preso. Clima que durou uma hora a mais, quando, finalmente, 12 horas após o desembargador Claudio Luis Braga Dellorto conceder o habeas corpus, o portão do Ary Franco abriu para que nove homens, quase todos muito jovens, ganhassem a liberdade. Caminharam para a rua em fila indiana e de cabeças erguidas e raspadas (sequela temporária e desnecessária dos três dias na prisão). Saíram do cárcere para voltar ao mundo sob aplausos e palavras de ordens políticas: “Obama, Dilma e Sérgio Cabral, prendendo inocente pra vender nosso pré-sal”, cantaram os manifestantes.

        Após beijos e abraços e lágrimas, e aflitos celulares tocando para receber a notícia, estabeleceu-se uma espécie de ato público em frente ao presídio com as cerca de 70 pessoas ali presentes naquele momento - algumas empunhavam cartazes com recados políticos ou bandeiras do PSTU, partido de boa parte de quem estava preso, grupo que também inclui um militante do PSOL, outro do MV-Brasil, a Vovó Tricolor e alguns militantes políticos sem atuação partidária.

        A essa altura, a rua já estava quase deserta em Água Santa, localidade próxima ao Méier, na Zona Norte. Até a pequena barraca de lanches defronte ao presídio fechara, após produzir mais de 35 concorridos mistos-quentes que abrandaram a fome de familiares e militantes que estavam na vigília que, para alguns, durou até dez longas e arrastadas horas. As duas redes de TV que por algum tempo aguardaram o momento da libertação, o SBT e a Globo, já tinham partido e abandonado a notícia.

        Quatro dos recém-libertados, e apenas eles, fizeram breves discursos. Quem primeiro falou foi Rafael, que é professor. Disse que a prisão foi política e que a presidenta Dilma Rousseff fez os primeiros presos políticos de sua gestão para agradar a Obama e ao imperialismo. Também falaram Gualberto Tinoco, o Pitel, José Eduardo e Thiago. “É um desrespeito não só à liberdade de manifestação, mas também à soberania nacional, é uma vergonha o que esse governo está fazendo neste país”, disse o advogado José Eduardo, detido após o ato no consulado quando, alega, tentava prestar assessoria a dirigentes do Sindicato dos Profissionais de Educação (Sepe-RJ), onde trabalha. “Vamos seguir lutando junto com os demais trabalhadores, junto com os demais setores que não se venderam, vamos seguir na luta até a vitória”, disse Pitel, um destes dirigentes sindicais, que também integra a direção da Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas). “A Dilma foi fazer uma omelete para o Obama e acabou quebrando os ovos de ouro: a nossa liberdade de manifestação”, disse Thiago. Cantou-se ainda, por duas vezes, a estrofe da Internacional, considerado o hino mundial das lutas sociais da esquerda socialista.

        A epopeia para libertá-los chegava ao fim. Faltavam pouco para as 22 horas. Chegara o momento do amparo amigo e familiar, já sem a apreensão inicial do reencontro. “A gente estava e continua bastante indignado com tudo o que foi feito, mas agora o que está falando é o coração de pai, de ter o Gabriel conosco. O Gabriel vai para casa e vai ser muito abraçado e beijado”, disse Cezar Paulo, enquanto acolhia o filho. Ele é pai deste estudante de Letras da UFRJ, de 21 anos, que naquele momento ainda não sabia os detalhes do ato público que seus colegas da faculdade organizaram na manhã daquele dia, quando foram recolhidas dezenas de assinaturas e dadas fortes declarações de apoio a ele. Como a de um estudante que viu no episódio uma agressão que tenta prender não apenas estas 13 pessoas, mas também, e principalmente, a voz que discorda e luta pelo que acha justo: “A prisão do Gabriel significa que nenhum de nós pode mais se expressar”, disse. 


Hélcio Duarte Filho
lutafenajufe